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A dura luta contra a Aids e o preconceito

Foto: Daniel Búrigo e Deize Felisberto/Clicatribuna

Foto: Daniel Búrigo e Deize Felisberto/Clicatribuna

Criciúma está na 6ª posição em Santa Catarina com maior incidência nos casos notificados de Aids. O estado catarinense, inclusive, é o segundo no país com o maior registro de casos da doença. Os números existem, não são baixos, porém estão longe da sabedoria do dia a dia das pessoas e muito disso se deve ao preconceito. Ainda hoje, mais de 30 anos após a chegada da doença ao país, a Aids ainda é um tabu difícil de ser quebrado tanto pela sociedade quanto pelos próprios pacientes e portadores do vírus HIV.

Júlia Machado, criciumense de 18 anos, convive com o vírus há quatro e decidiu não esconder isso de ninguém. Ela leva uma vida normal, não precisa fazer uso da medicação, já que a sua carga viral está baixa e a imunidade alta, e de seis em seis meses faz os testes necessários para saber se tudo continua bem. Com a saúde controlada, ela não precisaria se expor, mas faz isso porque sabe que é preciso que alguém dê os primeiros passos para vencer a barreira do preconceito. Participa de congressos e dá palestras em escolas para conseguir desmistificar o assunto. “O pior não é a doença, é o preconceito”, afirma Júlia. “Mas se eu esconder, como vou combater o preconceito? Essa pode ser uma porta de entrada para outros jovens se abrirem”, completa.

Com a autoestima elevada e a força da família, ela não se deixa abater. “Tirei a força da minha mãe, foi por causa dela que eu consegui reagir. Às vezes eu começo a chorar e ela vem e me diz que não é um bicho-de-sete-cabeças e eu consigo me animar”, comenta a jovem. E ela sabe bem o que é precisar ser forte. “Muitos dos meus amigos sabem, mas o preconceito afastou alguns. Às vezes eles falam ‘aquela lá tem bichinho’, mas não falam na minha frente e eu vou lá e bato de frente. Também teve um rapaz que eu estava ficando e que quando soube da doença não falou mais comigo”, conta ela.

Histórias como essa, infelizmente, não são raras no Programa de Atendimento Municipal às DST/HIV/Aids (Pamdha) de Criciúma, conforme conta a coordenadora, Fabiana Bardini Pereira. “Um paciente nosso fez uma entrevista de emprego e já estava tudo certo para ficar com a vaga. Porém, quando perguntaram se ele fazia uso de algum medicamento e ele, acostumado com o tratamento, disse que tomava os remédios, no outro dia ligaram dizendo que a vaga não estava mais disponível. Então, a sociedade não está preparada ainda, em função do preconceito as pessoas precisam esconder o diagnóstico”, declara Fabiana. “É preciso que as pessoas vejam quem está por trás do diagnóstico. Eu acredito muito na causa”, declara a coordenadora.

Maioria dos novos casos é de jovens que não se protegem

Júlia foi infectada aos 14 anos de idade porque manteve relações sexuais desprotegidas com um parceiro que era portador do vírus. Segundo ela, o namorado sabia da doença, mas não a avisou. “Até hoje ele não admite, mas eu também conheço outra menina que já foi infectada por ele e sei que ele continua mantendo relações sem proteção”, lamenta a jovem. De acordo com a coordenadora do Pamdha, a maioria dos novos casos é de jovens que não se protegem. “Recebemos um recente estudo que comprovou que aumentou bastante o número de jovens infectados pelo vírus. Indica que eles estão iniciando a vida sexual mais cedo e desprotegidos”, declara Fabiana.

Segundo Júlia, a situação ainda é normal. “Eu sou jovem, solteira e quando vou ter relação com alguém eu sempre digo para usar a camisinha, mas eles não querem usar, ficam me perguntando o motivo, já acham estranho”, comenta Júlia. “Tratamento nós temos para todos, mas é muito mais fácil se prevenir antes do que ter que tratar depois”, enfatiza Fabiana.

“Aids e Espiritualidade” Campanha incentiva a busca pelo diagnóstico

O último balanço do Pamdha (com dados atualizados até o mês de outubro) apontaram 925 pessoas doentes de Aids em Criciúma, além de 329 que possuem o vírus HIV. Somente em 2014 foram cadastrados 143 novos pacientes. Para ter acesso ao diagnóstico, é preciso ir à unidade portando um documento de identidade e fazer o teste gratuito. Caso seja detectado o vírus o paciente é encaminhado ao Pamdha, onde é aberto o prontuário, são agendados os exames e as consultas, além dos atendimentos de enfermagem, assistente social e psicólogo. Caso seja necessário, o paciente inicia o tratamento com os medicamentos ou entra para o cadastro e realiza exames periódicos para controlar a imunidade e a carga viral.

Para cada caso descoberto, entretanto, a estimativa é de que existam outros cinco casos não descobertos e é principalmente para evitar que esses pacientes fiquem na ignorância sobre o seu diagnóstico que a campanha “Dezembro Vermelho”, que inicia hoje, Dia Mundial de Luta contra a Aids, terá a ajuda da religiosidade. “Vamos começar essa parceria com as igrejas para trabalhar a Aids e a espiritualidade. A saúde pública não quer alterar os princípios da igreja, mas a nossa ideia é que cada um trabalhe até onde pode ir para nos ajudar a evitar esses dados que são preocupantes”, explica Fabiana. A intenção é, também, evitar a evasão dos pacientes ao tratamento. “Algumas pessoas abandonam o tratamento porque acreditam que, por milagre, estão curadas. Depois elas retornam com um quadro da doença muito mais avançado”, conta a coordenadora. As igrejas participantes estão recebendo o material da campanha e disseminarão a informação entre seus fiéis.

Teste rápido começa a ser disponibilizado em Criciúma

Outra ação que deve contribuir com o diagnóstico precoce é a descentralização dos testes rápidos para as unidades de saúde. A partir de hoje, 31 unidades de Criciúma já começarão a disponibilizar o teste que tem o seu resultado em 30 minutos. O exame é semelhante ao do Diabetes e precisa de uma picada no dedo para fazer o diagnóstico. “A intenção é facilitar o acesso à testagem. O tratamento da Aids não é emergencial, mas as pessoas precisam fazer o teste para diagnosticar cedo. Elas estão adoecendo sem necessidade. Com os testes rápidos nas unidades fica mais fácil, porque a pessoa pode até estar lá para outra consulta, saber do teste e acabar fazendo”, comenta a coordenadora.

Ação na Praça Nereu Ramos

Hoje, a partir das 9h30 até o meio-dia, a equipe do Pamdha e os enfermeiros capacitados para fazer o teste rápido estarão na Praça Nereu Ramos, no Centro de Criciúma, para fazer o lançamento oficial da campanha Dezembro Vermelho e orientar a população sobre prevenção e sobre essa novidade disponibilizada. O teste não será oferecido na praça por questões de privacidade do paciente e porque o material precisa estar acondicionado em local climatizado.

Caminhada marca a data em Içara

Em Içara, a Prefeitura, junto à Secretaria de Saúde e Programa Municipal DST/HIV/AIDS e hepatites virais, promoverá a primeira caminhada em alusão ao Dia Mundial na Luta Contra a Aids.
A ação inicia às 19h com a caminhada saindo em frente à prefeitura e encerrando na igreja Matriz onde será realizada a celebração religiosa ministrada pelos padres Antonio Vander e Eloir Borges. Após a missa haverá a partilha do bolo e em seguida o encerramento com a apresentação do Coral Show Criança Feliz. O tema da campanha neste ano é “Aids não tem cura, preconceito tem”.

Atualmente, 470 pacientes virais são assistidos pelo município, sendo que muitos deles já desenvolveram a doença. Além da medicação garantida, esses pacientes dispõem de exames de controle de imunidade, atendimento de médico ginecologista e infectologista, nutricionista, psicóloga, enfermeira, técnica de enfermagem e assistência social e ainda participam de grupos de psicoterapia. No município içarense o teste rápido para HIV, assim como sífilis e hepatite B e C, são ofertados em todas as unidades de saúde.

Com informações do Portal Clicatribuna