Economia

Após 30 anos da sua maior tragédia, segurança na mineração vive nova realidade

Foto: Lucas Colombo/Clicatribuna

Foto: Lucas Colombo/Clicatribuna

Há exatos 30 anos, quando o sol ainda nem havia nascido, 31 pais de família, filhos, a maioria jovens e todos moradores do Sul Catarinense, saíram de suas casas, numa segunda-feira, e nunca mais voltaram. Na localidade de Santana, em Urussanga, o dia 10 de setembro de 1984 ficou e ficará marcado para sempre como a data em que aconteceu a pior tragédia da mineração no Brasil. Naquela manhã, por volta das 5h, uma explosão por acúmulo de gás metano vitimou todos os trabalhadores em atividade naquele momento no painel seis da mina da Companhia Carbonífera de Urussanga. A causa da combustão nunca foi descoberta e as especulações são muitas – cigarro, faísca de interruptor, brincadeira com explosivo -, porém, um fato é consenso: se a preocupação com a segurança fosse maior, aquele episódio não precisaria ter acontecido.

Naquele dia 10, os trabalhadores voltavam de um feriadão e, segundo os relatos, nos três dias em que ficou sem atividade, a mina não recebeu a ventilação necessária e quedas de luz impediram a circulação do ar e fizeram o gás ficar confinado no painel seis, o que facilitou a explosão. Foi a maior tragédia da atividade que caracteriza a região, mas foi, também, um divisor de águas na questão da segurança. Após a morte dos 31 mineiros se tornou imprescindível repensar a segurança dos trabalhadores da mineração e o que se vê hoje é, mais do que equipamentos que ajudam – e muito – a controlar a situação de trabalho, uma consciência maior tanto por parte da empresa quanto dos funcionários de que usar esses equipamentos e seguir as normas é o que vai garantir que aquele triste fato nunca mais se repita.

Equipamentos de ponta e treinamento para todos

Em Içara, a Mina 101, das Empresas Rio Deserto, é considerada uma das mais modernas em todo o país e a reportagem do jornal A Tribuna visitou a unidade para entender o que mudou nesses 30 anos, principalmente no que diz respeito à segurança. Se antes os trabalhadores baixavam a mina vestindo qualquer bermuda e camiseta, bota, capacete e máscara; hoje eles só seguem para o subsolo com as roupas refletivas, a bota, o capacete, a lanterna, o protetor auricular e a máscara. Qualquer acessório, como anéis e colares, são proibidos, assim como a entrada de menores de 21 anos e maiores de 50 anos. Para os visitantes, roupa laranja e treinamento prévio para saber como se comportar naquele ambiente: não tocar nos equipamentos, não se distanciar dos profissionais, tomar cuidado com a direção em que se aponta a lanterna e mantê-la sempre acesa.

“Outra coisa que nem existia na época e que poderia ter feito a diferença se existisse são as máscaras de fuga, elas estão no subsolo à disposição dos trabalhadores para caso aconteça um acidente como aquele e dão ao mineiro 30 minutos de oxigênio, que é o suficiente para chegar à superfície. Aqui nós nunca precisamos usar, elas estão lá lacradas, mas se precisar será uma forma de evitar que morram por asfixia”, explica o engenheiro de Segurança do Trabalho, Jonathann Hoffmann.

O monitoramento do volume de gás existente no ar também poderia ter denunciada a concentração de metano, mas antigamente só se fazia esse procedimento uma vez a cada turno, diferentemente do que ocorre atualmente. “Hoje o monitoramento é constante e feito por um aparelho que é levado com alguns funcionários para o subsolo. Caso haja concentração de algum gás ele vai vibrar e emitir um sinal sonoro”, comenta Hoffmann.

Capacitação dos trabalhadores demonstra evolução

Em uma escala de 1 a 4, a atividade mineradora é considerada grau de risco 4 e, por esse motivo, todos os funcionários recebem treinamentos e reciclagens constantes sobre normas de segurança. “Na minha opinião, a principal evolução nesses 30 anos foi a capacitação dos colaboradores”, destaca Hoffmann. No subsolo sempre há um técnico de segurança e uma equipe de funcionários que fizeram o curso de brigadistas e vestem a roupa vermelha para serem identificados. Um carro de resgate fica a postos em subsolo e uma ambulância na superfície. Em dois anos de exploração da reserva, a Mina 101 não registrou acidentes fatais e neste ano não teve acidentes com afastamento do colaborador.

A pneumoconiose – doença que afetava os pulmões dos mineiros – está erradicada na região há 10 anos. Acompanhada pelo engenheiro de segurança do trabalho e pelo engenheiro de Minas, Fábio Vanzeloti, a reportagem visitou o subsolo e o que de maior destaque se percebeu foi a mecanização do trabalho. Explosivos não são usados na unidade, todo o processo de lavra (extração do carvão) é feito por uma máquina chamada de minerador contínuo, controlada por um controle remoto que é operado por um colaborador treinado. Da camada a ser explorada, 50% é extraída e 50% são mantidas para os pilares de sustentação. O escoramento do teto da galeria já minerada é feito com parafusos de 1,80 metro cada um, sendo que a cada metro são colocados cinco desses parafusos. Esse trabalho é feito por uma máquina operada por dois funcionários, aliás, essa é outra norma de segurança. “Aqui no subsolo um funcionário nunca trabalha sozinho, eles estão sempre em dupla, pelo menos. Dessa forma, se acontece alguma coisa com um deles, o outro pode ajudar”, afirma Vanzeloti. Mesmo a 90 metros de profundidade, a ventilação é constante e a temperatura é ambiente, assim como a umidade também é controlada para que o ar não fique seco, mas que também não prejudique a estrutura da mina. A Mina 101 funciona em dois turnos de trabalho (manhã e noite); as tardes são reservadas para o trabalho de manutenção das máquinas e estrutura da unidade.

A lembrança que nunca sairá da memória

A sinalização, a comunicação, o kit de primeiros socorros, o telefone, um conjunto de equipamentos e procedimentos que hoje garantem a segurança dos mineiros e que há 30 anos não existiam ou não eram utilizados é que acabaram marcando a vida de João Batista Delponte Pereira. Com 24 anos naquela época, Pereira também chegou à frente de trabalho às 5h no dia 10 de setembro de 1984, só que no painel cinco, ao lado de onde aconteceu a tragédia. Ele lembra bem daqueles instantes de pânico. “Nós só chegamos, deixamos a bolsa com as nossas coisas e já ouvimos aquele barulho. Não parecia uma explosão, era mais um ‘chiaço’ muito forte e logo em seguida veio a fumaça. Eu lembro que nós saímos correndo e molhamos a nossas blusas numa poça e colocamos no nariz para purificar a respiração até chegar na superfície”, relembra Pereira. Para ele, a causa mais provável era o cigarro. “Naquela época não era proibido fumar no subsolo e muita gente fumava, eu também. Então, eu acho que foi o cigarro”, declara. Hoje, antes do início dos turnos os mineiros passam por uma revisão para que não desçam com cigarros e, além disso, são submetidos os teste do bafômetro para que não trabalhem sob efeito de álcool.

São três décadas, mas também foram 31 pessoas que tiveram a vida interrompida naquela manhã e a lembrança dos parentes e amigos se mantém viva até hoje. Pereira lembra do amigo Alcides. “Quando eu quebrei a perna foi ele que me socorreu, era muito meu amigo, e naquele dia ele conversou comigo antes do início do trabalho, sentado em cima do capacete dele e me disse que tinha trocado de turno, que tinha passado para o da manhã e estava feliz. Aquele era o primeiro dia dele no turno da manhã”, conta Pereira.

Triste espera

Eunice João Tomaz Leopoldino, naquela época com 26 anos e dois filhos, Wagner e Waldinei de cinco e quatro anos respectivamente, também iniciou o dia normalmente após o feriadão: acordou com o marido, Luiz Carlos Leopoldino, de 27 anos, e o viu sair para trabalhar. Ela só foi ver o marido novamente na quarta-feira à noite, depois de três longos dias de espera, só que desta vez ele estava dentro de um caixão. “Até eles tirarem ele de lá nós sempre tivemos esperança de que ele sairia vivo, porque ali a gente não tinha como saber. Tanto que quando eles tiraram ele de lá já colocaram direto no caixão lacrado, mas eu pedi para ver, porque senão ficaria com aquela coisa na cabeça pensando se era ele mesmo. Eles serraram o caixão e eu vi que ele estava todo arranhado, queimado. Acho que ele não morreu na hora, que lutou para sair de lá, porque as pontas dos dedos ele não tinha mais, acho que foi de tentar cavar para sair”, lembra Eunice.

A lição da tragédia provocou o início de uma revolução a favor da segurança dos mineiros, mas a lembrança nunca sairá da memória dos que viveram e até hoje revivem aquele dia em suas lembranças. “Foi um baque muito grande. Eu até hoje não gosto de lembrar, foi um dia triste demais. Eles fazem aqui as homenagens todos os anos, mas eu não participo porque ainda me deixa muito mal. É uma coisa que eu nunca mais vou esquecer”, declara Pereira. Uma missa em memória dos 31 mineiros mortos no acidente será realizada hoje, na capela Sagrado Coração de Jesus, na comunidade de Santana, às 19h30min.

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