Saúde

Governo cancela 83% dos auxílios-doença que passaram por pente-fino do INSS em SC

Governo cancela 83% dos auxílios-doença que passaram por pente-fino do INSS em SC

Ana Lucia Sell tem problema na coluna e questiona na Justiça suspensão do benefício (Foto: Salmo Duarte / Agencia RBS)

De um total de 28 mil auxílios-doença a serem revisados em Santa Catarina, 13,8 mil passaram por perícia no último ano e 83,3% desses foram cancelados. O número é acima da média do país, de 79,9%. A revisão faz parte de um pente-fino do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS na situação de saúde dos trabalhadores que obtiveram o direito via processo judicial.

Outros 1,6 mil beneficiários do Estado tiveram o auxílio suspenso por não comparecimento na consulta. No total, 13,2 mil catarinenses tiveram que voltar ao trabalho desde que o Programa de Revisão de Benefícios por Incapacidade foi implantado.

Essa peneira nos beneficiários que não passavam por perícia há mais de dois anos levou a uma economia anual de R$ 206,6 milhões no Estado. O cálculo é do Ministério do Desenvolvimento Social – MDS. Mas trabalhadores e especialistas questionam o alto índice de cancelamentos. Para a presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário, Jane Berwanger, esse resultado é desproporcional à condição de saúde dos brasileiros, que na maioria dos casos são atendidos pelo SUS e têm dificuldade de marcar consultas e fazer tratamentos.

“Muitas vezes o médico avalia que a pessoa já teve tempo suficiente para se recuperar, mas ela não fez a fisioterapia ou a cirurgia, porque depende do SUS. É impossível pensarmos que 80% dos beneficiários estivessem recebendo o auxílio indevidamente”.

Outro problema apontado por Jane, é que essas revisões periódicas já deveriam ser feitas. A norma estabelece que, no caso de auxílio-doença, a avaliação aconteça a cada seis meses. “A pessoa já teria retornado ao mercado de trabalho muito antes, teria se readaptado”, observa.

Aposentados por invalidez também serão avaliados

O presidente da Comissão de Direito Previdenciário da OAB/SC, Thiago Martinelli Veiga, reforça que essa revisão se originou de um problema que o próprio INSS criou, ao não dar fim aos benefícios concedidos judicialmente e que ficaram sendo pagos de forma ininterrupta. “Mas há situações em que há um certo exagero, tem pessoas que têm o benefício negado por rigidez do INSS”, diz.

O secretário-executivo do MDS, Alberto Beltrame, no entanto, defende que na região Sul a judicialização é mais frequente e explica o percentual acima da média do país. “Esses índices tão altos demonstram, mais do que nunca, que os benefícios eram indevidos, que as pessoas recebiam sem que precisassem mais deles”, afirma. Beltrame reforça ainda que a economia gerada aos cofres públicos não é para o governo, mas faz parte do fundo da previdência. Esses recursos, conforme explica, só podem ser usados para pagamento de benefícios aos trabalhadores.

O próximo passo do programa de revisão é a convocação dos aposentados por invalidez. Beltrame diz que essa fase deve começar os chamados a partir de 15 de agosto e início das perícias em setembro, mas depende da situação de cada agência e se a mesma já concluiu a revisão dos auxílios-doença. Aposentados acima de 60 anos e aqueles com 55 anos ou mais que tenham pelo menos 15 anos de benefício não passarão pelo pente-fino. O secretário-executivo diz que ainda é cedo para cálculos, mas a taxa de cancelamento deve ser mais baixa. Estimativas iniciais apontam para 5% a 10% de suspensões. Em Santa Catarina, serão cerca de 72 mil aposentadorias revisadas

Catarinenses tentam recuperar benefícios na Justiça

Apesar de não ser possível calcular quantos processos tramitam em SC só para reverter a suspensão, alguns dados dão ideia do cenário. No Estado, aumentou em 20,58% o número de processos relacionados de forma geral à auxílio-doença na Justiça Federal. O primeiro semestre deste ano teve 16,2 mil novos processos a mais em relação ao mesmo período do ano passado. Já no Tribunal de Justiça de SC, em junho deste ano, mais de 20 mil ações sobre o tema tramitavam.

Para a presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário, Jane Berwanger, muitas vezes esse é o único caminho para aqueles que não têm condições de voltar a trabalhar. “Se uma parte desses benefícios foi cancelada indevidamente logo adiante as pessoas vão buscar na Justiça e vão recuperar o benefício, aí o Estado vai gastar ainda mais”.

A moradora de Joinville, Ana Lucia Sell, 46 anos, foi uma das que recorreram à Justiça para questionar o resultado da perícia. Duas hérnias de disco a levaram a fazer uma cirurgia na coluna em 2006. Segundo Ana, o procedimento comprometeu ainda mais os movimentos. Hoje, com nove peças de titânio no corpo, ela precisa tomar remédios para frear a dor, que castiga principalmente quando fica muito tempo de pé ou sentada.

Como promotora técnica de uma empresa de equipamentos de segurança, Ana Lucia precisava dirigir por horas em viagens, além de carregar materiais pesados, atividades que não consegue mais fazer.

Sem poder trabalhar, se mantinha com o benefício. Ela recebeu a convocação para perícia em novembro do ano passado. Depois de 11 anos com o benefício e sem ter passado por avaliação do INSS na última década, teve o auxílio-doença cortado. Para tentar reverter a decisão, a promotora técnica entrou com um processo na Justiça e aguarda a decisão.

“Parece que eles já vão prontos para cancelar. A gente se sente completamente desprotegida, parece que só somos um número. O que eu posso fazer? Eu queria ter feito a cirurgia, ficado boa e voltado a minha vida normal. Além de não ter acontecido isso, tenho que ficar provando e ninguém consegue ver a minha dor”.

O secretário-executivo do MDS, Alberto Beltrame, diz que a perícia segue critérios claros para evitar injustiças e garante que o número de processos ainda é pouco significativo. Ele lembra que o segurado que não concordar com o resultado da avaliação poderá apresentar recurso da decisão no Conselho de Recursos do Seguro Social em até 30 dias. Assim, passará novamente por avaliação, mas com outro perito. Além disso, reforça que é importante levar para a avaliação laudos e exames que comprovem a incapacidade.

Por dentro dos benefícios

Auxílio-doença: é um benefício concedido ao trabalhador que esteja impedido de exercer a atividade em função de doença ou acidente durante mais de 15 dias consecutivos. Neste caso ele deveria passar por avaliação a cada seis meses. Se o trabalhador não puder retornar para a atividade habitual, poderá participar de um programa de reabilitação profissional para exercer outra atividade (esse programa será indicado e custeado pela Previdência Social).

Auxílio-acidente: é um benefício a que o segurado pode ter direito quando desenvolver sequela permanente que reduza a capacidade laborativa.O benefício é pago como uma forma de indenização em função do acidente e, portanto, não impede o cidadão de continuar trabalhando.

Aposentadoria por invalidez: é um benefício devido ao trabalhador permanentemente incapaz de exercer qualquer atividade laborativa e que também não possa ser reabilitado em outra profissão, de acordo com a avaliação da perícia médica do INSS. O benefício é pago enquanto persistir a incapacidade e pode ser reavaliado pelo INSS a cada dois anos.

Com informações do site Diário Catarinense

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