Saúde

Mais de 30% dos pacientes atendidos em Criciúma são de outros municípios

Foto: Daniel Búrigo

Foto: Daniel Búrigo

A saúde pública de Santa Catarina pede por socorro a cada mês em que os repasses não são feitos aos hospitais que atendem pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A falta dessas verbas estaduais previstas em contrato, que gera uma dívida de pelo menos R$ 50 milhões, agrava ainda mais as produções excedentes e o fluxo de pacientes transferidos entre municípios catarinenses. Como uma bola de neve, o investimento irrisório e a população à mercê das condições têm ameaçado os serviços em operação, mas também feito com que instituições se responsabilizem por demandas que, às vezes, não são suas.  Atualmente, 31% dos pacientes atendidos em Criciúma são moradores de outros municípios, vindos da Associação dos Munícipios da Região Carbonífera (Amrec), mas também de outras partes do Estado.

O percentual, comparado às incumbências do Hospital São José (HSJ) e Hospital Materno Infantil Santa Catarina (HMISC) pode até parecer baixo. Mas, não para aqueles que precisam gerir instituições que recebem baixos investimentos. Referência na região Sul e com mais de 80% dos serviços SUS, por mês o Hospital São José abre suas portas para aproximadamente 7 mil pacientes vindos de outros municípios, que buscam geralmente atendimentos de Urgência e Emergência e internações cirúrgicas. Esse número corresponde a 43% da demanda institucional, equivalendo à 230 pessoas por dia, de acordo com o responsável pela controladoria do hospital, Cristiano Lazzarin. Já no HMISC, o percentual chega à 25%, o que significa que 1.058 pessoas são de fora, conforme o diretor Fábio Martini.

A instituição é administrada pelo Instituto de Saúde Educação e Vida (ISEV), mas tem o serviço voltado à pediatria e totalmente SUS. No hospital, a média mensal é de 4.230 pacientes recebendo assistência médica. Mas, em abril este número chegou à 5.519. Este índice, o maior dentro de um ano, se deve principalmente ao surto de gripe H1N1 e de impetigo registrados recentemente entre o público infantil. Já no São José, são atendidas mais de 20 mil pessoas por mês, onde os últimos dados da controladoria apontaram exatos 21.919 atendimentos. “Desse percentual, 10% são provindos de Içara, 4% de Araranguá e o restante de outras cidades entre Tubarão e Torres que buscam subsídios dentro da instituição”, garante Lazzarin.

Mesmo contando com o segundo hospital mais conceituado da Amrec, Içara também lidera entre os municípios que mais procuram os atendimentos do HMISC. Em dados levantados no último ano, 4.268 pacientes içarenses foram atendidas na instituição. Depois, aparece Forquilhinha com 2.041 e Morro da Fumaça com 1.242 pessoas atendidas. “São instituições que por sua vez têm suas próprias estruturas básicas de saúde e, em alguns casos, inclusive hospitais”, frisa, em relação às dificuldades encontradas em gerir o HMISC.

Números excedentes

Contabilizando 81% dos atendimentos como sendo de baixa gravidade, no mês anterior 135 internações foram registradas pela direção, maior demanda entre janeiro de 2015 e os dias atuais. Desses internados, 44% são oriundos de outros municípios da região e inclusive do Estado. Para os administradores, todos esses dados só servem para confirmar que os valores atrasados pela Secretaria de Estado da Saúde ainda não contemplam todas as necessidades. No caso do São José, além da contratualização, são necessários mais incentivos para toda produção excedentes. Mas, tanto para HSJ quanto para o HMISC, o ideal seria que a tabela de pagamentos dos procedimentos SUS, desatualizada e defasada há 20 anos, fosse reajustada.

“É muito complicado, mas não temos como não atender a população. No São José, todos os hospitais possuem o aporte necessário, o paciente está procurando por segurança. As pessoas não querem sair daqui porque oferecemos tudo que os outros hospitais não têm”, afirma a diretora administrativa do Hospital São José (HJS), Irmã Terezinha Buss.  Para o diretor Martini, no entanto, também falta discernimento da população sobre o momento em se deve procurar pelos centros de atendimentos. “É fundamental que a saúde básica cumpra com seu papel, como também cabe a população somente procurar uma unidade de pronto socorro em situações mais graves e urgentes. Destaco que não é nesse local a busca por atestados e declarações para retorno as aulas, como ocorreu de forma sistemática nos últimos tempos”.

Central Reguladora

Os procedimentos em alta e média complexidade e a necessidade de vagas para leitos na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) são as principais carências identificadas. Conforme dados repassados pelo gerente de saúde da Amrec, Diogo Copetti, na região existe um déficit de 115 ocupações para a UTI. Mas, o restante dos leitos estaria de acordo com a demanda regional. Para gerenciar este fluxo do SUS, Criciúma conta com uma centrais reguladoras, uma mantida pelo Governo do Estado e outra pelo município. Através deste sistema, onde os hospitais que atendem o SUS são cadastrados junto ao Sistema Nacional de Regulação (SisReg), é possível controlar todos as vagas que estão disponíveis na Amrec.

Frente ao atual caos, o gerente afirma a eficiência do sistema, mas chama atenção para a cultura da população em procurar por hospitais, mesmo em casos básicos e sem gravidade. “Não existe algo que tenha mais controle e eficácia do que a central reguladora. Mas, temos que se perguntar quem encaminhou o paciente e se ele realmente deve ir para o hospital. Com toda certeza, 90% dos pacientes que chegam aos hospitais podem ser resolvidos na atenção básica”, afirma Copetti. No entanto, o gerente explica que existem especialidades e procedimentos que os hospitais de menores portes não atendem, de acordo com o SUS. Para isso, o São José segue sendo referência em oncologia, cardiologia, neurologia e ortopedia.

Para mais detalhes sobre a regularização em âmbito de Santa Catarina, a reportagem tentou obter dados e informações junto ao Governo do Estado. Mas, as solicitações não foram respondidas pela Secretaria de Estado da Saúde até o fechamento desta edição.

Transferências para outros hospitais

Conforme dados repassados pela Prefeitura Municipal de Criciúma, no último mês a Secretaria de Saúde transferiu 396 pacientes transferidos para serviços em mais de 15 especialidades, como oftalmologia, ortopedia, transplante reumático e renal etc. Entre as cidades estão Florianópolis, Tubarão, Blumenau, mas também Porto Alegre, São Paulo e Brasília. Em casos específicos, a transferência de pacientes para outras cidades também acontecem no São José, especialmente para pacientes que aguardam vaga para realização de cirurgia. Nesse tipo de procedimento, pelo menos cinco casos por mês são encaminhados para outras cidades para completarem o proposto. “Só transferimos por falta de vagas de UTI, mas como não temos vagas mais disponíveis o paciente nem dá entrada em nosso sistema, assim a própria Central de Referência que procura por outra vaga no Estado”, explica Cristiano.

No HMISC, entre janeiro e o mês atual, oito pessoas foram transferidas para outros hospitais por meio da instituição. Mas, apenas três foram para outra cidade, conforme Martini. “Todos esses foram transferidos para o Hospital Infantil Dr. Jeser Amarante Faria, em Joinville, pois necessitavam de cirurgia cardíaca. Mas, o pronto socorro também transfere quando há exames de alta complexidade, cirurgia oncologia e ortopedia. De janeiro a maio, foram registrados apenas dois pacientes transferidos para o Hospital Infantil Joana de Gusmão de Florianópolis”. Não possuindo sala de gesso em suas dependências, em casos de fraturas, as crianças são encaminhadas ao São José, onde as filas na especialidade de ortopedia também tem sido um dos maiores problemas identificados nos últimos tempos.

Assistência longe de casa

Apesar de não ser a maioria, pacientes de cidades como Joinville, Blumenau, Itajaí e inclusive Porto Alegre já foram transferidos ou procuraram pelo serviço local. Para dar suporte às famílias que estão longe de seus lares, a Casa da Acolhida, localizada próximo ao HMISC, no Bairro Operário Nova, foi criada em julho de 2012. Conforme os dados repassados pelo vice presidente da instituição, Adilson João da Silva, por mês, pelo menos 10 pessoas são recebidas vindas de outros municípios, através do trabalho da equipe de assistência social que atuam em ambos os hospitais de Criciúma.

Com o filho recém-nascido e com início de eclampsia, Priscila Mara da Silva, ilustra uma dessas realidades. Logo após de dar à luz, a mãe, junto do pequeno Vitor Vinicius foi transferida para o HMISC pelo Hospital Público Azambuja, da cidade de Brusque. Já com alta médica, Priscila foi encaminhada para a Casa da Acolhida, onde recebe pouso e alimentação de graça. Sozinha, para manter-se perto do filho, a mãe permanece na casa há mais de dois meses. “O único lugar que teve vaga foi aqui, o hospital encaminhou ele no mesmo dia e eu vim no outro”, conta. Chegando aqui com apenas 1 kg e 100 gramas, o bebê Vitor permanece em observação. “Se não fosse a casa, eu não sei o que seria de nós. É muito longe e meu marido veio hoje nos visitar, mas ele já volta amanhã”, explica.

Ameaça às novas vidas

A assistência dos recém nascidos é o que mais preocupa nesse instante, devido Às consequências futuras.  A preocupação é que com a conclusão da nova ala de maternidade do HMISC o número de famílias procurando por acolhida aumente ainda mais. “Vem muita gente de Araranguá, Sombrio, Orleans e Laguna. Por isso, estamos procurando abrir outras casas em Tubarão e Araranguá, pois é um problema estadual e sabemos o bem que isso proporciona”, pondera o vice presidente da Casa da Acolhida. O problema, no entanto, é justamente a falta de maternidade na região. Há muito esperada, a ala do HMISC não sai do planejamento e a do São José já não comporta mais as demandas que chegam até suas portas.

Agora, por falta de pagamentos do Estado desde janeiro, os obstetras do Hospital São Donato, de Içara, pretendem fechar a maternidade a partir do dia 21 de junho. Além do São José, esta é a única outra opção em ala materna oferecida aos municípios da Amrec, onde cerca de 100 partos são feitos por mês.

Com informações do site Clicatribuna