Reflexão

Morre Dom Paulo Evaristo Arns

Era irmão da fundadora da Pastoral da Criança e da Pastoral da Pessoa Idosa, Dra. Zilda Arns Neumann, que faleceu em terremoto no Haiti em 2010.

Fotos: Divulgação/Pastoral da Criança e da Pastoral da Pessoa Idosa

Fotos: Divulgação/Pastoral da Criança e da Pastoral da Pessoa Idosa

Morreu em São Paulo nesta quarta-feira (14) aos 95 anos o cardeal d. Paulo Evaristo Arns, arcebispo emérito de São Paulo. Ele estava internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Santa Catarina, desde 28 de novembro, com um quadro de broncopneumonia e, nos últimos dias, apresentou piora do sistema renal.

Quinto dos 14 filhos que Gabriel Arns e Helena Steiner tiveram, Paulo Evaristo nasceu em 14 de setembro de 1921, em Forquilhinha, Diocese de Criciúma, antiga colônia de imigrantes alemães em Santa Catarina. Era irmão da fundadora da Pastoral da Criança e da Pastoral da Pessoa Idosa, Dra. Zilda Arns Neumann, que faleceu em terremoto no Haiti em 2010.

Família e religião

A família preservava muito da cultura de seus antepassados no dia a dia, em especial a proximidade com a religião. Desde cedo, as crianças também aprenderam a contribuir com os trabalhos da casa e da lavoura. A exemplo do irmão mais velho, frei Crisóstomo, Paulo Evaristo entrou em um seminário franciscano, vocação que o pai agricultor apoiou com entusiasmo, embora tentasse adiar a matrícula o mais possível, só porque as despesas do internato pesavam no orçamento. Das sete irmãs moças, três optariam pelo convento.

"Paulo, nunca se envergonhe de dizer que você é filho de colono", pediu Gabriel Arns. Muito depois, quando concluía os estudos na Sorbonne com uma tese sobre a técnica do livro segundo São Jerônimo, o frade mandou um telegrama para Forquilhinha. "O filho do colono é doutor pela Universidade de Paris e não se esqueceu da recomendação do pai". Dom Paulo foi ordenado sacerdote em 30 de novembro de 1945, aos 24 anos, pela Ordem dos Frades Menores (OFM).

De volta ao Brasil, foi professor de Teologia no seminário franciscano de Petrópolis (RJ), onde trabalhou dez anos em favelas, período que descreveria como o mais feliz da vida. Em 7 de julho de 1966, foi nomeado bispo auxiliar do então cardeal de São Paulo, dom Agnelo Rossi, que o designou para a região de Santana, na zona norte. Em 5 de março de 1973, foi nomeado cardeal pelo então Papa Paulo VI.

Em julho deste ano, a Arquidiocese de São Paulo preparou uma cerimônia em homenagem ao cinquentenário de sua ordenação episcopal, que contou com a presença de familiares, amigos e cerca de 40 bispos e 200 padres. Na ocasião, Dom Paulo recebeu, inclusive, uma mensagem especial enviada pelo Papa Francisco, parabenizando pelo jubileu e reconhecendo sua atuação pastoral em defesa dos direitos humanos.

Dom Paulo e a semente da Pastoral da Criança

Dom Paulo Evaristo Arns foi o grande responsável por semear a criação da Pastoral da Criança. Esta semente brotou em 1982, na Suíça, do encontro de Dom Paulo com James Grant, diretor executivo do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), durante uma reunião da Organização das Nações Unidas (ONU). Na ocasião, surgiu a proposta de que a Igreja Católica brasileira tivesse uma ação para reduzir a mortalidade infantil.

"Fica o nosso grande agradecimento, afinal foi ele que, com James Grunt, trouxe a ideia da Igreja se envolver na questão da sobrevivência infantil. A ideia original foi dele e sempre foi grande o apoio que deu para que a Pastoral da Criança continuasse e se desenvolvesse", afirma Dr. Nelson Arns Neumann, sobrinho de Dom Paulo e coordenador nacional adjunto da Pastoral da Criança.

Para desenvolver o projeto que seria apresentado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Dom Paulo convidou sua irmã, a médica pediatra e sanitarista Zilda Arns Neumann, contando com o apoio de Dom Geraldo Majella, na época arcebispo de Londrina.

O trabalho teve início na Paróquia de São João Batista, em 1983, no município de Florestópolis, Arquidiocese de Londrina, no estado do Paraná. A região foi escolhida por apresentar uma alta taxa de mortalidade infantil – 127 crianças em cada mil nascimentos. Após um ano de atividades, a mortalidade infantil diminuiu para 28 crianças entre cada mil que nasciam.

A influência de Dom Paulo na vida da Dra. Zilda já era de longa data. Na época em que ela estava estudando para o vestibular, contar com o apoio do irmão mais velho foi essencial para não desistir da escolha pela medicina. De início, a família teve dificuldades para aceitar a decisão, pois não era uma profissão comum para mulheres. Mas Dom Paulo ajudou a convencer o pai de que a vocação da irmã não era ser professora, conforme era o desejado. Esta história está apresentada no Museu da Vida, que fica junto à sede da Pastoral da Criança, em Curitiba (PR), a partir de um vídeo que conta com o depoimento de Dom Paulo e é exibido no Memorial Dra. Zilda. Muitas fotos e outras histórias também fazem parte do acervo e podem ser apreciadas no Museu.

Além de toda a sua contribuição para a história da Pastoral da Criança, a vida de Dom Paulo foi marcada por uma série de ações voltadas às populações mais pobres e necessitadas. Durante toda a trajetória na Igreja, foi um exemplo de que os ensinamentos cristãos se concretizam no contato com o povo, pelo viés da solidariedade, buscando a transformação das injustiças sociais. Ele costumava dizer que era que essas transformações aconteçam, é importante cada um se interessar pela política e agir, no sentido de defender os direitos daqueles que mais precisam. O cardeal ficou reconhecido, ainda, pela defesa do ecumenismo, por incentivar o respeito e a união de esforços entre as religiões.

 Lembranças e pedidos

"Eu visitei Dom Paulo no dia 30 de novembro, 1º e 2 de dezembro. Neste domingo, estive novamente com ele, em São Paulo, na UTI. Nestes últimos dias, ele nos falou muito que a criança é o centro de tudo, que nós devíamos cuidar das crianças e que o país precisava tê-las como centro de sua atenção", relata Dr. Nelson Arns Neumann, sobrinho de Dom Paulo e coordenador nacional adjunto da Pastoral da Criança.

Na conversa, também foi citada a necessidade de se resolver a questão do saneamento básico e chegar água tratada nas favelas, uma ideia que já tinha sido conversada com outro familiar, Flávio Arns. "Ele falou que essa é uma característica interessante da família, que às vezes não tem nada a ver com o assunto, mas todo mundo se une e trabalha junto pela causa. E tendo a causa da criança como a maior de todas", contou Dr. Nelson.

O sobrinho do cardeal também relata um diálogo marcante que teve com o tio, na presença do padre José Bizon, de São Paulo. "O padre Bizon destacou o ecumenismo, dizendo que Dom Paulo foi quem deu passos concretos e significativos neste aspecto. E a gente comentou: 'Dom Paulo, a semente que o senhor plantou está dando frutos, continua. E o ecumenismo é muito importante'. Ele respondeu: 'Sempre', acompanhando a conversa, mesmo com a dificuldade respiratória".

Com informações da Pastoral da Criança e da Pastoral da Pessoa Idosa nacionais