Segurança

Rapto de criança criciumense que comoveu o Estado completa 20 anos; veja vídeo

Crime ocorreu em 1996 com Schaino Ross, de três anos; veja como estão os envolvidos no caso

Foto: Ulisses Job / Diário Catarinense

Foto: Ulisses Job / Diário Catarinense

Há 20 anos, Criciúma presenciava um dos crimes de maior repercussão da cidade: o rapto de uma criança de três anos. Foram 34 dias de angústia para a equipe de investigação envolvida no caso, familiares e toda a sociedade da época.

O crime ocorreu no dia 12 de julho de 1996 e teve seu desfecho em 16 de agosto. Diligências, depoimentos, cartazes espalhados pela região buscavam encontrar Schaino Ross de Villa, de três anos, raptado pela adolescente Alexsandra Sardinha Cardoso, de 16 anos.

Portal Engeplus resgatou, depois de duas décadas, os protagonistas desta história que repercutiu em todo Estado. Prestes a completar 23 anos no dia 7 de agosto, Schaino é morador do bairro Jardim Maristela e leva uma vida agitada comum dos jovens, onde concilia seu curso superior em Administração com seu cargo no setor financeiro de uma concessionária da cidade.

Seu destino poderia ser outro se não fosse o trabalho da equipe de investigação da Delegacia de Proteção à Mulher, à Criança, ao Adolescente e ao Idoso comandada, na época, pelo delegado Adauto de Souza. Já a policial civil Maristela Michels teve seu empenho profissional e pessoal no caso, acompanhando o pequeno Schaino desde o período do rapto até os dias de hoje.

Os três personagens desta história estiveram reunidos e relembraram do caso ocorrido em 1996. “Penso que eu estou aqui por causa deles, tenho muito para agradecer”, afirma Schaino, que não possui recordações dos dias em que esteve raptado. “Segui uma vida sem traumas e nunca quis buscar respostas com os responsáveis pelo crime justamente para não lembrar e desenvolver qualquer lembrança negativa”, completa.

Maristela, que participou de todas as etapas de investigação do rapto, nunca esqueceu o caso durante os seus 28 anos como policial civil. “O desfecho foi uma das melhores coisas que me aconteceram na vida. Não tem dinheiro que pague tudo que fizemos para encontrá-lo. Eu tinha que dar uma resposta para aquela avó que todos os dias me ligava perguntando pelo neto e a gente acalmava e prometia que o encontraria”, recorda.

A avó materna de Schaino, Zulma Millioli Ross, acompanhou o caso dia a dia junto com as investigações. Depois do resgate, Zulma passou a morar com Schaino e sua mãe.

“Com medo que algo acontecesse comigo de novo, fomos morar juntos. Ela foi parte fundamental da minha criação”, frisa o rapaz. Schaino morou ao lado da avó até o primeiro semestre deste ano, quando um câncer a vitimou. No mesmo terreno e em outra casa, reside a mãe do jovem.

A ligação de Maristela com o caso não terminou com o desfecho do crime. “Sou muito sentimental e acabei me apegando ao garotinho. Nunca vou esquecer dele no meu colo chegando na delegacia e depois sendo entregue para família”, conta. A policial esteve presente na vida de Schaino desde a infância. “Sempre esteve comigo, sempre me ajudou, foi minha segunda mãe”, fala Schaino com carinho.

O jovem, que tinha o sonho de ser jogador de futebol, agora projeta para o futuro sua intenção de abrir o seu próprio negócio. “Ainda não tenho definido em que área quero montar minha empresa, mas esse é um dos meus desejos. Agradeço por estar nessa condição: trabalhando, estudando e rodeado com pessoas de bem que fazem parte da minha vida, tanto pelo rapto ou pelas demais circunstâncias”, comenta.

O rapto 

Alexsandra era conhecida do meio policial. Desde os 8 anos, saía de casa e não informava seu paradeiro para a família. “A mãe dela esteve inúmeras vezes na delegacia registrando queixas por desaparecimento. Ela saía de casa na sexta e voltava na semana seguinte”, conta Maristela.

Em uma das saídas da jovem na antiga discoteca Signus, em Criciúma, no domingo do dia 8 de julho, Alexsandra conheceu V. B., de 21 anos, que a convidou para morar com ele em uma casa no bairro São Luiz. Ele morava com O. J. O., de 21 anos, então namorado de Maria Aparecida Ross, mãe do pequeno Schaino.

Os casais passaram a viver na mesma residência e, aparentemente, muito cuidadosa, Alexsandra começou a cuidar da sua futura vítima. Na quinta-feira da mesma semana, dia 12, a adolescente saiu para passear com a criança e ambos não foram mais vistos. A partir daquele momento, iniciou a angústia da família: raptado e raptadora estavam desaparecidos.

“Quando a família esteve na delegacia registrando a ocorrência, eu já conhecida todo o histórico da Alexsandra”, lembra Maristela. As diligências em busca do garoto iniciaram pouco tempo depois, mobilizando a polícia e os familiares. “Espalhamos cartazes por toda a região, íamos todos os dias na rodoviária e em outros lugares em que ela pudesse estar, mas não encontrávamos respostas”, relembra a mãe, Maria Aparecida.

Raptadora chegou ao Rio de Janeiro 

Com R$ 10 no bolso, Alexsandra saiu de Criciúma com a criança no colo e foi para Morro da Fumaça de ônibus. Segundo o depoimento da jovem na época, na cidade vizinha, ela encontraria V. B. e O. J. O., no entanto, ambos não apareceram e ela foi para Tubarão. Na cidade, ela pediu carona para um caminhoneiro e se deslocou para o Rio de Janeiro.

De acordo com o delegado, Alexsandra conheceu uma garota chamada Raquel em um jogo de futebol e queria sair para dançar. Para que as duas pudessem entrar na danceteria, a criança foi deixada na cada da irmã de Raquel. Elas arrombaram a janela da residência, deram 20 gotas de anador e dois comprimidos de AS Infantil para Schaino dormir.

Quando a irmã de Raquel chegou em casa, se deparou com uma criança dormindo e acionou o Conselho Tutelar de Florianópolis. O garoto foi recolhido no dia 4 agosto e, como falava pouco, não foi reconhecido. Enquanto isso, Alexsandra viajou até Curitiba para encontrar um ex-namorado.

A mãe de Alexsandra afirmou, na época, que a filha tinha um namorado cigano em São José dos Pinhais, região metropolitana de Curitiba. Com esta informação, os policiais daquela região estavam de sobreaviso. Na capital paranaense, a adolescente passou mal e deu entrada em um hospital. Ela acreditava estar grávida de três meses e teria sofrido um aborto.

Na unidade hospitalar, Alexsandra foi reconhecida e a Polícia Civil de Criciúma foi informada pelos policiais paranaenses. Imediatamente, o delegado Adauto, acompanhado dos policiais civis Maristela e o Luiz Carlos Machado se deslocaram para o Paraná. “Chegamos lá e encontramos somente a jovem, que relatou que tinha deixado a criança em Palhoça”, conta o delegado.

Criança é localizada em abrigo

A equipe junto com Alexsandra retornou para Santa Catarina no dia 16 de agosto. Antes disso, a criciumense havia prestado depoimento em Curitiba, quando contou todo perceurso feito com a criança.

"Fomos até a casa dessa pessoa, onde ela tinha deixado a criança. Lá fomos informados que ele havia sido levado ao Conselho Tutelar. Eram 3 horas da madrugada quando chegamos e encontramos o Schaino deitado em um beliche no Conselho Tutelar. Foi muito emocionante, todos choraram. O objetivo da nossa investigação, do sofrimento da família e da população de Criciúma que estava mobilizada havia sido concluído”, relembra o delegado.

Depois daquele momento, o delegado buscou os meios legais para liberar a criança junto com o promotor da Vara da Infância de Palhoça, se deslocando para Criciúma por volta das 15 horas do dia 16 de agosto. 

A adolescente relatou em depoimento que o raptou obrigada pelo namorado da mãe da criança O. J. O. Segundo ela, ele não tinha afinidades com o garoto. O namorado da jovem, V. B., também estava envolvido na ação. Eles foram localizados, prestaram depoimento e foram levados ao Presídio Santa Augusta. 

Não há informações de quanto tempo os homens ficaram detidos. A reportagem esteve na Delegacia de Proteção à Mulher, à Criança, ao Adolescente e ao Idoso e no Fórum de Criciúma, mas em ambos os locais, não há registro dos envolvidos. Além das duas décadas que se passaram, todos os processos são localizados de forma digital, recurso que passou a ser implantado nos idos dos anos 2000.

O reencontro com a família

Um grande público e a imprensa da região esperavam pelas viaturas da Polícia Civil na Delegacia de Proteção à Mulher, à Criança, ao Adolescente e ao Idoso no início daquela noite. “Foram dias de muito desespero, não sabíamos mais o que fazer para encontrar o Schaino. Quando encontrei com ele foi uma felicidade incrível. Este é o tipo de história que jamais se esquece”, lembra a mãe do garoto.

Maria Aparecida não conteve as lágrimas ao rever o filho. No entanto, antes de pegá-lo no colo, Maria ficou cara a cara com Alexsandra. “Recordo dela chorando e a questionei: ‘Eu te tratei tão bem, por que você fez isso comigo?’. Eu acabei confiando na boa fé e fui surpreendida”, comenta. Maria Aparecida tem 50 anos e mais três filhos. Schaino é o caçula. No momento do reencontro, o pai do garoto, Volnei de Villa, que estava separado de Maria Aparecida, também esteve presente na delegacia.

Raptos por todo país e a obsessão por crianças

Além do caso de Criciúma, em 1996; outros raptos foram cometidos por Alexsandra nas cidades de Manaus (AM), em 1998; em Porto Velho (RO), em 2000; dois em Barra Mansa (RJ), em 2001; e a última em Barbacena (PA), em 2004. Esta última criança ficou raptada por um ano.

Naquela época, depois do desfecho do caso de Schaino, Alexsandra foi encaminhada para o Centro de Internamento Provisório (CIP) de Criciúma, por onde permaneceu por aproximadamente um ano. Nos demais delitos, quando já era maior de idade, a raptadora foi presa por apenas um dos crimes de Barra Mansa.

Condenada a dois anos e dois meses de prisão, Alexsandra foi designada para uma casa de psiquiatria de Criciúma, mas acabou sendo internada no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico Heitor Carrilho, no Rio de Janeiro, onde ficou até o dia 23 de abril de 2004, quando saiu para visitar a família e não retornou. A criciumense foi diagnosticada com Transtorno Obsesivo Compulsivo (TOC) por crianças e dizia que não conseguia se controlar. Ela relatava ainda que não poderia gerar um filho.

Alexsandra é destaque no Linha Direta 

A repercussão dos raptos de Alexsandra foi tema de uma edição do programa policial da Rede Globo, Linha Direta, no dia 24 de novembro de 2005. Um dia após aparecer em rede nacional pelo rapto cometido no Pará, onde raptou João Lima Dias, de quatro anos, com quem ficou por um ano, Alexsandra foi presa em Santa Bárbara, em Minas Gerais.

Ela utilizava a identidade falsa e foi denunciada por um vizinho que a reconheceu. Alexsandra se aproximou da vítima ao se passar por uma hippie e chegou a namorar um tio do garoto. Quando localizada, a criança estava em Santo Amaro, na Bahia, onde Alexsandra pagava uma mulher para cuidá-lo.

Prestativa e cuidadosa, Alexsandra abordava as famílias

Alexsandra não maltratava as crianças e nem pedia resgate, o que configura um rapto. O crime se diferencia do sequestro, quando o autor pede a devolução da vítima em troca de algum bem ou quantia em dinheiro. Obcecada por crianças e pelo desejo incontrolável de ser mãe, quando simpatizava com a vítima, ela abordava a família, fazia amizade facilmente e se apresentava prestativa e cuidadosa.

A criciumense utilizou ao longo dos seus raptos nomes falsos, como Indianara e Patrícia, e para não levantar suspeitas, viajava pelo Brasil através de caronas com caminhoneiros. No Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico Heitor Carrilho, no Rio de Janeiro, Alexandra foi examinada pelo psiquiatra Ernani Pereira da Silva, que constatou que a raptadora possuía um distúrbio obsessivo compulsivo, que a impedia de controlar as ações delituosas.

O fim trágico

A reportagem conseguiu contato com a família da criciumense conhecida em todo país pela sua compulsão por crianças. Segundo a mãe da jovem, Vanilda Sardinha, moradora do bairro Maria Céu, Alexsandra morreu por volta das 17h30min do dia 9 de fevereiro de 2010, em Salvador, na Bahia. 

Alexsandra foi estuprada e executada com um disparo de arma de fogo na nuca em uma estrada isolada. Ela estava com outra mulher, de 18 anos, que também foi morta no local e não foi identificada. “Minha filha esteve em Criciúma em 2008, quando chegou a trabalhar como costureira comigo durante um mês, mas depois comentou que precisava assinar alguns documentos no Fórum, em Salvador, e foi embora de novo”, conta Vanilda, que possui mais dois filhos, de 21 e 23 anos.

A costureira pediu para que a filha ficasse e Alexsandra prometeu que retornaria em um mês. “Parecia que eu estava adivinhando alguma coisa. A última vez que eu a vi foi quando ela saiu de casa. Ela morou por mais um ano em Salvador sem manter contato. A notícia que chegou foi da sua morte”, relembra emocionada. “Ela completaria 36 anos nesse último fim de semana, no dia 30 de julho. Chorei muito, estou sentimental, pois ficamos lembrando e, apesar de tudo, ela era minha filha”, complementa.

O corpo da criciumense foi encontrado dois dias depois da execução por dois trabalhadores que passavam pela região do crime. Para custear o translado até Criciúma, a família precisou de R$ 8 mil, recurso desembolsado por lideranças políticas, empresários e a comunidade. O corpo demorou 23 dias para chegar em Criciúma, onde o velório foi realizado. Alexandra está sepultada no Cemitério Municipal de Criciúma.

Reportagem especial de Douglas Saviato / Portal Engeplus