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Grávida luta na Justiça para obter remédio em falta

Foto: Arquivo Pessoal/G1 SC

Foto: Arquivo Pessoal/G1 SC

Foi há três semanas, durante um exame de rotina do pré-natal, que a psicóloga catarinense Barbara Lohmann da Silva, de 26 anos, descobriu que está com toxoplasmose. “A notícia em si já foi um choque, a doença pode trazer vários problemas de saúde ao bebê”, diz Bárbara. Mas ela ainda enfrenta um outro problema: a espiramicina, remédio indicado para tentar evitar a transmissão da doença para o filho, está em falta nas farmácias.

Grávida de 28 semanas, Bárbara corre contra o tempo e recorreu nesta semana à Justiça para conseguir o medicamento. Ela conta que está sendo acompanhada por uma obstetra e uma infectologista na cidade de São Miguel do Oeste, no Oeste no estado, e está fazendo um tratamento alternativo com um medicamento genérico.

“Tem estudos que dizem que ele funciona, mas outros falam que não é tão eficaz como o outro. Na dúvida, minha médica pediu que eu tomasse para prevenir. Mas só vamos saber até que ponto afetou meu bebê quando ele nascer”, diz a gestante, que não tem sintomas da doença.

Nos casos mais graves, segundo o Ministério da Saúde, um bebê contaminado com toxoplasmose pode apresentar complicações que vão de anemia a hidrocefalia, além de problemas no fígado e alterações na visão.

Transmissão da doença

Bárbara não sabe quando nem como adquiriu a doença. “Ela é transmitida pelas fezes do gato”, explica o infectologista Luís Fernando Aranha Camargo, que trabalha no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, e é diretor da Sociedade Brasileira de Infectologia. “Por isso é importante que a gestante evite o contato, não coma carnes cruas e consuma verduras desinfetadas. Peço até para não comer fora de casa”, diz o médico.

Como o genérico também não está disponível na rede pública, Bárbara contou com a ajuda da mãe para conseguir comprar 15 caixas do medicamento alternativo, que são suficientes apenas para as quatro primeiras semanas do tratamento – ela terá de tomar até o fim da gravidez.

“Por mês, o custo com o remédio genérico é de quase R$ 600. Não tenho condições de comprar para as próximas semanas. Ainda bem que minha mãe me ajudou desta vez”, conta Bárbara.

Respostas negativas

A gestante afirma que buscou as redes de apoio e recorreu à Secretaria Regional de Saúde para conseguir o remédio gratuitamente, mas a resposta foi negativa. Nesta sexta, ela entregou à Defensoria Pública de São Miguel do Oeste os últimos documentos necessários para a abertura de um processo. “Pelo que entendi a ação será contra o Sistema Único de Saúde (SUS).

"O poder público precisa pressionar e garantir a produção. Imagina uma criança ter problemas por falta de um medicamento tão simples de produzir?", reforça o infectologista Aranha Camargo.

A assessoria de comunicação da Secretaria de Desenvolvimento Regional de São Miguel do Oeste confirmou que “foi emitida uma negativa para a gestante com base na lista da Regional, que não contempla esse item”.

De acordo com a gerência de saúde do órgão, “nesses casos, que são raros, quem adquire o medicamento é o município para que o processo seja mais rápido, pois entrando na Justiça, será demorado e ela não tem esse tempo”.

Remédio em falta

O superintendente da Divisão de Vigilância Epidemiológica do Estado (Dive), Fabio Gaudenzi de Faria, afirma que, em situações como essa, os municípios recorrem ao estado, mas que, no momento, a espiramicina está em falta nas farmácias.

“É um problema sério de desabastecimento. Tentamos realizar a compra direta, mas simplesmente não é vendido. A informação que temos, em relação ao remédio contra a transmissão da toxoplasmose, é de que o fornecimento está sendo restabelecido”, diz o superintendente.

Laboratório suspendeu produção

O G1 procurou o laboratório Sanifi, que produz o antibiótico espiramicina no Brasil, com o nome de Rovamicina. Em nota, o laboratório, com sede em São Paulo (SP), informou que a produção do medicamento está temporariamente suspensa, mas que o remédio não foi retirado do mercado.

“A empresa deve retomar a sua produção assim que tiver aprovado o novo fabricante do princípio ativo. Nesse período, a Sanofi está priorizando as demandas urgentes e o setor público e espera normalizar em breve a fabricação e os estoques”, informou o laboratório.

Em nota, o Ministério da Saúde afirmou que a espiramicina é "componente básico da assistência farmacêutica". "O financiamento deste componente é de responsabilidade dos três entes federados, mas cabe aos estados, Distrito Federal e municípios a aquisição, seleção, armazenamento, controle de estoque e prazos de validade, além da distribuição e dispensação destes medicamentos", diz o texto enviado ao G1.

Segundo o Ministério, houve alteração do local de fabricação do princípio ativo e o laboratório responsável por produzir o remédio está "em processo de atualização do registro do medicamento Espiramicina junto à Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária]", realizando testes.

"A Anvisa autorizou a importação do princípio ativo para que, quando ocorrer a atualização do registro do medicamento, a produção seja realizada pela empresa no menor prazo possível", informou o Ministério da Saúde.

De acordo com Nelson Mussolini, presidente  do Sindusfarma, sindicato que reúne indústrias farmacêuticas, a produção de antibióticos está sendo mundialmente afetada porque a empresa que fornecia o princípio ativo encerrou suas atividades e há todo um processo para aprovação de um novo fornecedor, para atender à legislação brasileira. "Há um desabastecimento mundial".

'Fica a angústia'

A obstetra Roxana Knobel, professora da Universidade Federal de Santa Catarina, diz que, mesmo com o uso do medicamento indicado, o risco de transmissão da toxoplasmose de mãe para o filho é incerto. “Quando mais precoce a doença na gravidez, menor a chance de transmissão. Mas quando ela acontece, os efeitos costumam ser mais graves”.

Enquanto aguarda os próximos passos na Justiça, Bárbara vai montando o enxoval de Gael com a esperança de que ele nasça com saúde. “Fica aquela angústia de não saber o que vai acontecer. Gostaria muito que esta situação se resolvesse, pois não desejo a nenhuma futura mãe o que estou vivendo”, desabafa a psicóloga.

Com informações do site G1 SC